Ela
olhava para o relógio. Estava impaciente. O dia havia sido terrivelmente torturante,
todas aquelas ligações, todos aqueles problemas para resolver e que não estavam
tão próximos assim da solução. Parecia um inferno, mas estava tudo bem. Era o
seu último dia naquele escritório branco e insípido. As férias chegavam para alegrar aqueles dias
cinzentos.
Seis
horas em ponto e toda a correria transformou-se em sorrisos e abraços tenros.
Desejos de boas férias, boa sorte, bom descanso e um volta logo, meio
atravessado, da chefa. Ela pegou a bolsa e todos aqueles desejos e saiu
cantarolando pelo começo daquela noite fria de maio. Sacou o telefone e não viu
nenhuma ligação perdida dele. Tudo bem, ainda era cedo.
Enquanto
estava voltando, no meio daquela aglomeração caraterística da estação da Sé,
ela planejava cada detalhe das férias. Tinha uma viagem marcada para o Sul, que
embora fosse sozinha, ainda teria uma dezena de dias para ficar com ele. Tinha uma porção de coisas para contar e
fazer com as amigas também. Seriam as melhores férias de todos os tempos.
Ele
ligou por volta das 21h, quando ela já estava em casa. Falaram sobre os planos,
sobre coisas fofas que todo casal de namorados deve falar de vez em quando.
Eles estavam felizes, mas ele não poderia vê-la naquela sexta a noite e nem
durante o final de semana. Ele tinha uma viagem de trabalho e ela entendia perfeitamente
bem. Era um poço de compreensão o relacionamento dos dois. Ela a entendia da
mesma forma que ele a compreendia. Era mútuo.
O
final de semana foi marcado pelas compras para a viagem e recheados de
mensagens e ligações do namorado. Estavam com saudades um do outro e contavam
as horas para se reencontrarem.
Na
segunda-feira, entretanto, o mundo caiu, explodiu, foi destruído enquanto ela
arrumava as malas. Ele não atendeu as ligações dela naquela manhã e nem naquela
tarde. No começo da noite, encostou o
seu carro na frente da casa da namorada e despejou tudo. Precisava de um tempo,
muitas coisas estavam acontecendo e ele não conseguia lidar com tudo aquilo.
Chorou lágrimas verdadeiras, a beijou, mas insistiu em partir. Ela nunca
entendeu o que aconteceu com o amor de sua vida
Ela
não entendeu e nem entenderia. Primeiro gritou, depois chorou. Chorou durante
toda a noite, chorou o dia seguinte inteiro. Chorou no portão de embarque, local
em que ele deveria estar se despedindo dela, mas era o primo que estava.
Durante
o voo de pouco mais de uma hora, ela jogou o sentimento, o coração, a emoção
pela janela daquele avião. Ela se desprendeu dos vínculos que a mantinha
aquecida contra o frio do rigoroso inverno. Endureceu seu coração quente até
que ele virasse gelo. Lapidou a pedra como se fosse uma rocha até obter o mais
brilhante diamante. E ela brilhou.
Voltou
das férias e decidiu mudar de vida. Apagou todas as lembranças, maquiou as
cicatrizes e resolveu viver de uma forma diferente. Ela abdicou do amor para
amar somente uma pessoa. A si mesma.
Não
que ela tenha feito isso por vontade própria. Em nenhum momento isso foi a real
intenção daquela garota, mas foi exatamente dessa forma que aconteceu. Ela não
carregava mais um órgão forte e pulsante. Ela carregava um diamante, lindo,
brilhante, mas frio. Ela se tornou fria.
Encontrou
outros caras, mas nenhum quebrou o cristal, o invólucro que prendia o seu
coração, o seu sangue. Ela matou as borboletas do estômago, ela se esqueceu de
como é torturante a dor do amor. Simplesmente estava vivendo tudo por ela. Tornou-se
egoísta e desaprendeu os passos da dança do amor.
Nunca
mais ela amaria alguém. Nunca mais da mesma maneira. O rompante, a dor que
sentiu ao terminar o romance foi curta, mas tão intensa que a abalou emocionalmente
para sempre. Não foi aquela coisa de “o tempo cura”, não foi o trauma, foi a
morte.
Se o
sangue pulsa quente dentro do peito daquela menina, é impossível descobrir. Ela
ainda sente pulsar quando o vê, mas a dor é tão forte e automaticamente seu cérebro
manda doses irreais de morfina. Tudo nela adormece.
Ela
ficou mais inteligente, mais sábia, até mais conquistadora do que as pessoas ao
seu redor. Porém, para ela, a conquista é o prêmio, não o conquistador, a
dúvida é o tempero, não a certeza sem sabor, quem ganha é quem joga e não o
vencedor.
Curiosamente,
ela descobriu isso hoje, enquanto escrevia. A dor voltou lentamente e a
infestou de agonia, desesperança e de uma certeza fria. Ela não sabe mais
dançar aquela dança e nem tem vontade de aprender. É o curioso caso daqueles
que optam por não amar.