quarta-feira, 12 de junho de 2013

O curioso caso daqueles que não sabem amar



               
Ela olhava para o relógio. Estava impaciente. O dia havia sido terrivelmente torturante, todas aquelas ligações, todos aqueles problemas para resolver e que não estavam tão próximos assim da solução. Parecia um inferno, mas estava tudo bem. Era o seu último dia naquele escritório branco e insípido.  As férias chegavam para alegrar aqueles dias cinzentos.
                
Seis horas em ponto e toda a correria transformou-se em sorrisos e abraços tenros. Desejos de boas férias, boa sorte, bom descanso e um volta logo, meio atravessado, da chefa. Ela pegou a bolsa e todos aqueles desejos e saiu cantarolando pelo começo daquela noite fria de maio. Sacou o telefone e não viu nenhuma ligação perdida dele. Tudo bem, ainda era cedo.
                
Enquanto estava voltando, no meio daquela aglomeração caraterística da estação da Sé, ela planejava cada detalhe das férias. Tinha uma viagem marcada para o Sul, que embora fosse sozinha, ainda teria uma dezena de dias para ficar com ele.  Tinha uma porção de coisas para contar e fazer com as amigas também. Seriam as melhores férias de todos os tempos.
                
Ele ligou por volta das 21h, quando ela já estava em casa. Falaram sobre os planos, sobre coisas fofas que todo casal de namorados deve falar de vez em quando. Eles estavam felizes, mas ele não poderia vê-la naquela sexta a noite e nem durante o final de semana. Ele tinha uma viagem de trabalho e ela entendia perfeitamente bem. Era um poço de compreensão o relacionamento dos dois. Ela a entendia da mesma forma que ele a compreendia. Era mútuo.  
                
O final de semana foi marcado pelas compras para a viagem e recheados de mensagens e ligações do namorado. Estavam com saudades um do outro e contavam as horas para se reencontrarem.
                
Na segunda-feira, entretanto, o mundo caiu, explodiu, foi destruído enquanto ela arrumava as malas. Ele não atendeu as ligações dela naquela manhã e nem naquela tarde.  No começo da noite, encostou o seu carro na frente da casa da namorada e despejou tudo. Precisava de um tempo, muitas coisas estavam acontecendo e ele não conseguia lidar com tudo aquilo. Chorou lágrimas verdadeiras, a beijou, mas insistiu em partir. Ela nunca entendeu o que aconteceu com o amor de sua vida
                
Ela não entendeu e nem entenderia. Primeiro gritou, depois chorou. Chorou durante toda a noite, chorou o dia seguinte inteiro. Chorou no portão de embarque, local em que ele deveria estar se despedindo dela, mas era o primo que estava.
                
Durante o voo de pouco mais de uma hora, ela jogou o sentimento, o coração, a emoção pela janela daquele avião. Ela se desprendeu dos vínculos que a mantinha aquecida contra o frio do rigoroso inverno. Endureceu seu coração quente até que ele virasse gelo. Lapidou a pedra como se fosse uma rocha até obter o mais brilhante diamante. E ela brilhou.
                
Voltou das férias e decidiu mudar de vida. Apagou todas as lembranças, maquiou as cicatrizes e resolveu viver de uma forma diferente. Ela abdicou do amor para amar somente uma pessoa. A si mesma.
                
Não que ela tenha feito isso por vontade própria. Em nenhum momento isso foi a real intenção daquela garota, mas foi exatamente dessa forma que aconteceu. Ela não carregava mais um órgão forte e pulsante. Ela carregava um diamante, lindo, brilhante, mas frio. Ela se tornou fria.
                
Encontrou outros caras, mas nenhum quebrou o cristal, o invólucro que prendia o seu coração, o seu sangue. Ela matou as borboletas do estômago, ela se esqueceu de como é torturante a dor do amor. Simplesmente estava vivendo tudo por ela. Tornou-se egoísta e desaprendeu os passos da dança do amor.
                
Nunca mais ela amaria alguém. Nunca mais da mesma maneira. O rompante, a dor que sentiu ao terminar o romance foi curta, mas tão intensa que a abalou emocionalmente para sempre. Não foi aquela coisa de “o tempo cura”, não foi o trauma, foi a morte.
                
Se o sangue pulsa quente dentro do peito daquela menina, é impossível descobrir. Ela ainda sente pulsar quando o vê, mas a dor é tão forte e automaticamente seu cérebro manda doses irreais de morfina. Tudo nela adormece.
                
Ela ficou mais inteligente, mais sábia, até mais conquistadora do que as pessoas ao seu redor. Porém, para ela, a conquista é o prêmio, não o conquistador, a dúvida é o tempero, não a certeza sem sabor, quem ganha é quem joga e não o vencedor.

                
Curiosamente, ela descobriu isso hoje, enquanto escrevia. A dor voltou lentamente e a infestou de agonia, desesperança e de uma certeza fria. Ela não sabe mais dançar aquela dança e nem tem vontade de aprender. É o curioso caso daqueles que optam por não amar. 

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